27.9.04

Maratona de Revezamento

Fico sabendo que muita gente passou mal na maratona ontem. Calorão de 35 graus na moleira, meu amigo, não é pra qualquer um. Correndo então, vixe. Os postos médicos nunca tiveram tanto trabalho.

Bem-feito.

Digo isso porque tá cheio de sedentários que querem aparecer uma vez por ano, seja pro chefe, seja pros colegas de trabalho, seja pra namorada, enfim, resolvem de querer correr uma maratona só pra se mostrar. Passam o ano ingerindo coxinha e refrigerante, quando não álcool e drogas, e querem posar de atleta por um dia. Aí claro que se fodem.

Bem-feito.

Mas peralá. Eu também já dei dessas. Não para aparecer, que não sou disso, mas porque por anos tive o desagradável costume de não saber dizer não às pessoas.

Fui chamado a integrar a equipe de 8 atletas (cof!) do meu departamento. Não, não foi assim. Vieram me dar a notícia de que tinham me inscrito na equipe. Tive vontade de pular no pescoço da mulher:

- Puxa, que legal! Quer dizer que vou participar da maratona, é?
- Vai sim! Vai correr com a gente.
- E quantos metros terei que correr?
- Pouquinho, porque a equipe é de 8 pessoas. Dá uns 5 quilômetros pra cada.

Quase rolou uma lágrima.

- Ah, legal.
- Vai se preparando, hein?
- Pode deixar.

***

Pelo menos no fatídico dia estava garoando, ao contrário de ontem. Então acordei às seis horas da madrugada, em pleno domingo, e saí de casa naquela garoa fina. Delícia.

Como não encontrei meus parceiros a tempo de pegar a fantasia o uniforme, fiquei de calça esporte mesmo, emprestada do meu irmão.

Segui as recomendações repetidas exaustivamente durante a semana anterior à prova e me aqueci durante umas duas horas. Debaixo de chuva.

Tomei lugar no meu posto. Agora só restava esperar minha vez.

***

Era o quarto integrante da equipe, o que significa que eu seria o quarto atleta (cof!) a largar. Fiquei a postos uns quarenta minutos, a adrenalina a mil, enquanto aguardava meu parceiro chegar com a pulseira.

A chuva tinha dado uma trégüa, e agora o cheiro de suor com roupa molhada, mais a sensação que isso resulta, me incomodavam. Mal sabia o que ainda viria pela frente.

De posse da pulseirinha, larguei feito uma bala. Se a tevê me captasse naquele momento, pensei, achariam que era um atleta de elite, apesar de não estar de short e trajar uma camiseta da Skol.

Nos primeiros cem metros corri como louco e ao final dos duzentos percebi que a parada ia ser dura. Nesse momento pude entender em toda sua plenitude o que querem dizer com "sentir o coração querendo sair pela boca".

Mas eu tinha que correr, porque numa maratona de revezamento toda a equipe depende de cada resultado individual. Se eu não fizesse meu percurso e passasse a pulseira adiante, o próximo integrante não faria seu trajeto, o próximo também não e assim por diante.

Minha responsabilidade media cinco mil, duzentos e cinqüenta metros.

Corri, corri, corri e quando não estava aguëntando mais, eis que surge a plaquinha do primeiro quilômetro.

Pânico.

Corri mais uns duzentos metros e meu cadarço se soltou. Ao abaixar para arrumá-lo, a calça de tactel vagabundo rasgou na bunda.

Olhei em volta e não senti uma única alma caridosa disposta a compartilhar do meu desespero. Alguém com quem pudesse contar, alguém para desabafar. Todos passavam por mim correndo feito flechas, até um senhor que devia ter lá seus 70 anos.

Mas eu não ia chorar, estava decidido. Com a bunda refrescada pelo buraco aberto, resolvi me poupar um pouco e deixei de correr. Uma caminhada talvez aliviasse meu sofrimento. Segui em passos rápidos pelos próximos dois quilômetros.

O coração tava num baticum-baticum assustador. Tive medo. Mas era hora de voltar a correr. Corri por mais cem metros e voltei à tática anterior da caminhada.

***

A última etapa do percurso é a área de concentração principal da prova, onde chegam e partem os atletas. E minha chegada tinha que ser triunfal, apesar do tempo gasto (fui assaltado no meio do caminho, pensei em alegar). Esperei até o último momento para dar o disparo final, já sobre o tapete colorido que indica "área de troca da pulseira".

Cheguei com a língua de fora mas de cabeça erguida, sem conseguir proferir uma palavra sequer. Logo após entregar a pulseira para o próximo atleta, corri para a grama a fim de descansar, mas como havia chovido aquilo era um lamaçal só, praticamente um mangue.

Exausto, de bunda de fora e sujo de lama feito um porco, encerrei minha participação na primeira e última corrida da minha vida.

Nem me lembro como foi que fiz para voltar pra casa.