27.10.04

Casamento I

pago um pau para vitrais de igrejas

A gente estava atrasado, como sempre. Mas convenhamos que chegar atrasado em casamento é direito exclusivo das noivas, então imagine aí a correria em que a noite começou.

Quando tudo estava pronto, ela resolve abrir o armário da tia e tirar mais quatro vestidos. Parou um por um em frente ao corpo, olhando no espelho.

- Acho que vou trocar de vestido. O que você acha desse aqui?
- Uma merda. Vambora que faltam 40 minutos pra cerimônia começar.
- E esse? Acho que esse vai ficar melhor.
- Esse é coisa de velha. Você tá bem com esse aí mesmo. Vambora, caceta!
- Ah, mas eu acho que não tá legal aqui na cintura.
- O problema não é com o vestido.

Preciso aprender a ficar com a boca fechada.

Já no carro, é hora de retocar a maquiagem. Mulher adora se maquiar no carro, já reparou?

Todos os faróis (ou semáforos, ou sinais, sei lá como chama isso na sua região) pareciam conspirar contra. Mas vencemos todos os obstáculos e faltando cinco minutos para o horário marcado chegamos em frente à igreja.

Duas voltas no quarteirão por conta de uma pequena teimosia e alguma preguiça, estacionamos na outra esquina. Mania irritante de querer achar vaga exatamente em frente ao lugar que vai.

Estava me sentindo mal pra caramba dentro daquela roupa social, mas pelo menos não usei gravata. É aquilo: podia ser pior. Toda o vestuário era emprestado de um amigo, exceto a cueca. O que me faz lembrar que podia realmente ser bem pior, pois imagina se ele calçasse um número menor que o meu.

Chegamos esbaforidos na igreja, bem a tempo de pegar o padre subindo no altar. Que chega ao microfone e nos dá um susto:

- Parem a música. Estou procurando o noivo.

Será?, pensei. Mas não, o noivo apareceu no minuto seguinte.

Rufam os tambores, tocam as trombetas e começa aquela música linda. Não a marcha nupcial, coisa mais batida, mas um desses clássicos de um grande compositor, cujo nome não sei. Porra, música dentro de igreja ganha uma acústica maravilhosa. Aí você olha pros olhos das pessoas e vê toda aquela emoção, e aquela música linda tocando, pronto, fudeu, já fiquei com vontade de chorar.

Por causa da música, entenda.

Se tem uma coisa que me faz ficar emocionado, essa coisa é música.

E toca uma música e a noiva não entra. Será?, pensei novamente. Não entendi nada, a segunda música já estava tocando e nada da noiva aparecer. Quando achei que tinha algo errado, os trombeteiros emendaram, numa virada ao melhor estilo DJ de casa noturna, a marcha nupcial. Não adianta, casamentos sempre serão embalados à marcha nupcial. Coisa mais cafona.

As portas se abrem e lá vem ela, a noiva. Vestido branco, ombros de fora, braço enroscado no pai. Que curiosamente morreu há cinco ou seis anos.

Nessa hora eu fiz o que ninguém faz num casamento: olhei para o noivo. Já reparou que ninguém sabe que cara faz o noivo quando a noiva entra? Deu para captar o misto de desespero e alegria naqueles olhinhos úmidos.

E as trombetas tocando, o noivo com cara de choro esperando e a noiva se aproximando. Só quando ela estava a menos de 5 metros de mim foi que deu para ter certeza.

Estávamos no casamento errado.